Leni Reifenstahl
UM ERRO DE VISÃO
Para o realizador João Mário Grilo, “o ‘caso’ Riefenstahl é um produto trágico de uma tragédia”. O “mais chocante” de “Olympia” e “O Triunfo da Vontade” é “ver alguém que filma acreditando que ali está o futuro quando hoje sabemos que o que estava nessa esperança é uma tragédia”. Essa tragédia é a abertura das portas dos campos de concentração, que continua a cobrar a sua factura — os filmes de Riefenstahl são indissociáveis da memória do Holocausto. Ela “não é suficientemente grande para fazer esquecer isso”. Diz Grilo: “O preço que ela pagou foi o preço de um erro de visão. Ela viu muito bem a matéria do cinema, os meios do cinema, filmou muito bem em geral e o corpo em particular, mas tudo isso é posto ao serviço de um projecto político, social e ideológico detestável. Ela paga o preço de ter visto muito bem o que estava à frente da câmara e de ter visto muito mal o que estava atrás.” Mas as sessões de “explicação” na Alemanha ou os cuidados postos na retrospectiva dedicada à cineasta, em 99, pelo Museu do Filme de Potsdam (exibição em ecrãs reduzidos para evitar que se tornasse num pólo de atracção de neonazis) pressupõem o receio de uma espécie de reabilitação do fascínio original das imagens. “Não é a mesma coisa ver um documentário sobre o Hitler feito hoje e ver ‘O Triunfo da Vontade’. ‘O Triunfo’ é um filme feito sincronicamente com a ascensão de Hitler e de cada vez que o filme é mostrado, de alguma forma, esse tempo reinstaura-se.” Grilo acredita que “o nazismo está sempre disponível, basta ter acontecido uma vez, acontecerá sempre: em cada dia que passa, há muitos Hitlers que se formam e se desfazem”. “Nesse sentido, o filme pode acordar.” É por isso que os filmes de Riefenstahl não podem circular sem explicação: “Que haja um mínimo cuidado com isso é uma obrigação social, uma forma de evitar que seja a censura a resolver um problema que não pode ser ela a resolver. É importante que as pessoas vejam o filme e possam debater.”